terça-feira, 19 de março de 2013

O fracasso da "governabilidade" e o "perdão" dos mensaleiros.

Mais ou menos isso o que acontece para a "governabilidade"
Na ultima postagem me perguntaram quanto as prioridades da esquerda e especialmente do PT no Brasil, ao permitir que comissões sensiveis como Meio Ambiente e Direitos Humanos caíssem em mãos das pessoas mais inapropriadas o possível, enquanto emplacava no presidência do Senado o PMDBista Renan Calheiros, acusado de usar dinheiro de lobistas para pagamento de pensões e notas fiscais frias para esconder a propina. No mesmo passo, o leitor Arthur Carvalho também questionava a moralidade da presença dos mensaleiros condenados José Genoíno e João Paulo Cunha (ambos do PT) na Comissão de Constituição e Justiça. Agradeço os questionamentos, Arthur, e vamos então por partes. Mas já menciono que tudo isso surge como resultado de uma única e nefasta palavra: GOVERNABILIDADE.

Mantenho as palavras de Dutra.
Comecemos pelos absurdos de Marco Feliciano (PSC) e Blairo Maggi (PR) nas duas comissões em que eles não tem lugar algum, Direitos Humanos e Minorias (Feliciano) e Meio Ambiente (Maggi). Assim como outras indicações confusas, como a escolha do PMDBista Michel Temer para a vice-presidência da republica, e o pastor PRBista Marcelo Crivella no ministério da Pesca, essas indicações estapafúrdias são o fruto sinistro das alianças políticas feitas para garantir a governabilidade. Fazem-se concessões aos partidos para garantir seu apoio nas votações chave do legislativo - em geral com pouco sucesso.

A exemplo do acima mencionado Crivella, que ao receber de "presente" um ministério para o qual admitidamente não tem qualquer competência, acusou a presidente Dilma de "não dar espaço o suficiente para os evangélicos". Ou a crítica ácida - e desnecessária - do pastor Silas Malafaia quando a presidente discursou na ONU contra o problema real da Islamofobia. Enquanto comunidades islâmicas são alvos de violência e suspeitas de terrorismo pelos poderes do ocidente, Malafaia achava que o problema real que Dilma deveria ter discursado contra era a "cristofobia". Quanto ao lobby religioso, concordo em partes com o sociólogo da PUC-Minas, Pedro Ribeiro de Oliveira: a presidente se encontra refém dos evangélicos - e da CNBB. Mas esse cativeiro é em parte por escolha.

Da mesma maneira, partidos de direita, mesmo tendo diversas concessões do Governo - como o cancelamento do kit anti-homofobia para "não fazer propaganda de opção sexual" e do kit de educação para prevenção da Aids pelo mesmo motivo, assim como a lentidão (ou quase congelamento) da reforma agrária e os pífios aumentos do salário minimo - continuam a acossar a presidente, acusando o governo PTista de ser "autoritário" e "anti-democrático". Não são poucas as acusações de que o ex-presidente Luís Inácio "Lula" da Silva quer dar um golpe - ironicamente vindas dos mesmos que pedem aos militares um repeteco do golpe de 64.

O cancelamento do Kit, mencionado acima, expõe outro problema dessa "troca de favores" unilateral: a medida que agradou aos evangélicos, católicos e conservadores na Câmara era uma jogada suja para tentar salvar o então Ministro da Casa Civil, Antonio Palocci - em troca do cancelamento do kit, os conservadores prometeram não convocar o Ministro para depor e cessar com as obstruções de votações no congresso. Nenhuma das promessas foi cumprida - ou seja, sacrificou-se o kit para nada, e à época direita ainda ameaçou convocar uma CPI sobre o conteúdo do kit educacional, maliciosamente apelidado de "Kit-gay" e alvo de diversas informações falsas.

Já o kit anti-aids teve seu cancelamento também pedido pelos religiosos -e criticado com razão pela ONU, responsável pela preparação do material em conjunto com o ministério da Saúde. O material, composto por seis revistinhas, já deveria ter sido distribuído em 2010 - mas em razão da política vigente de evitar ao máximo conflito com o lobby religioso, foi arquivado para garantir a eleição de Dilma. Agora, três anos depois, foi definitivamente descartado para atender os pedidos retrógrados da bancada evangélica.

Porém há um que de promíscuo nessa relação - antes a força maior da esquerda no Brasil, o PT voluntariamente se meteu nessa enrascada quando foi fazendo alianças com "pesos pesados" da direita, como PR, PRB, PSC e outros do gênero, para garantir a viabilidade do governo do presidente Lula, chegando ao cúmulo de se aliar aos resquícios da ditadura do PP em 2010. Como em toda jogada política suja, quem pagou o pato foi o povo: a esquerda brasileira estava de mãos dadas com a mais extrema direita do país. E enquanto estes não se moviam nem sequer milimetricamente para a esquerda - muitas vezes indo mais para a direita - o PT foi lentamente indo para o centro.E essa é a maior perda: a homogeneização do discurso político, conforme os partidos se tornam meras siglas e suas ideias se perdem. Não sem motivo que se desmembrou e surgiu o PSOL, por exemplo, e onde a direita se enfraqueceu também surgiram novos partidos, como agora tenta renascer o Arena.

"Negociação" a moda republicana.
Cada novo projeto de lei, cada nova votação, e a politicagem suja dá as caras outra vez. A situação faz concessões para garantir que seus projetos sejam votados - pois sem ceder a oposição, cada vez mais sem propostas, a mesma promete parar o governo. Assim conseguiram barrar o Kit anti-homofobia, por exemplo. Aqui faço questão de dar a relação com o partido Democrata e o Republicano nos EUA: desde a eleição de Barack Obama em 2008, o GOP (Grand Old Party) tem feito inúmeros fillibusters para impedir a votação de projetos de lei da presidência - chegando ao cúmulo do absurdo quando um senador republicano obstruiu seu próprio projeto quando este teve apoio dos Democratas.

 Ao mesmo tempo, alega que os democratas "não fazem concessões" e pede por cortes imensos em programas sociais e direitos trabalhistas - mas se recusa a aceitar qualquer espécie de corte no orçamento militar americano - quase metade de todo o gasto com "defesa" no globo. Não muito diferente do PSDB se opondo ferozmente ao Bolsa Família hoje - quando o programa teve suas raízes no governo FHC.

E da mesma maneira, a direita americana serve bem ao conservadorismo social - emplacando criacionistas no comitê de Ciência e Tecnologia do Senado Americano, e tentando forçar o ensino do genesis bíblico nas aulas de ciência das escolas americanas, enquanto tenta esmagar a população LGBT - e o tempo todo reclamando de "perseguição". Para não mencionar a defesa ignorante da proibição de aborto para vítimas de estupro do senador Todd Akin: segundo o senador, é impossível engravidar de estupro. Onde ele aprendeu biologia, não se sabe - embora o sentido seja claro: "ela não foi estuprada, é uma vadia ingrata".

Agência Brasil
Embora Calheiros tenha sido essencialmente "emplacado" pelo PT, é importante frisar que ele foi o "escolhido" do Senado como um todo - dentre um total de 78 votos, Calheiros levou 56. Um reconhecimento claro de como o Senado não se importa com as acusações e condenações contra o alagoano. Na posse, veio outro tapa na cara da opinião pública: o acusado e quase cassado por corrupção discursou sobre ética e como esta é importante no Senado. Poucos dias depois, fez ameaças veladas contra os poderes vigentes da imprensa brasileira. Enquanto se discute a corrupção do mensalão, se esquece que Calheiros é acusado de ter servido a lobistas - não são poucos os posts no Facebook que o chamaram de mensaleiro, mas o "Renangate" nada teve a ver com o Mensalão.

 E onde entram os mensaleiros nessa história? O "maior esquema de corrupção da história desse país" é só um dos sintomas das sujeiras feitas em nome da governabilidade: para tentar conseguir o apoio dos partidos nas votações das reformas propostas pelo presidente Lula, o PT apelou para o método mais descarado - comprar diretamente os votos dos deputados. Manobras para pressionar o voto ao seu lado não são raras - Abraham Lincoln conseguiu aprovar a 13ª emenda comprando votos dos Democratas com cargos políticos, e Winston Churchill literalmente ameaçou a Câmara dos Lordes para que a Inglaterra entrasse em guerra com os nazistas  - mas não é nem moral, nem legal, e o PT apelou ao fundo da ilegalidade ao fazer essa negociação com subornos de fundos públicos.

Credito: Dorivan Marinho/Folha de São Paulo.
Genoino e Cunha, assim como os outros mensaleiros fizeram o jogo sujo da governabilidade, e sua presença nos cargos sensíveis em que hoje estão é a maneira do PT de dizer que o importante não é a opinião pública, e sim a governabilidade. O que é duplamente lamentável: primeiro por "salvar" de maneira tão torpe corruptores (mesmo que fossem "bem intencionados", o que é pouco provável) condenados. Mas mais importante por deixar transparecer que os ideais do partido, a opinião pública e a moralidade de nada valem quando é mais simples fazer concessões e esperar que a oposição se contente.

Aí está uma das raízes do problema: as tentativas pífias dos governos de obter a concordância da oposição, quando esta se recusa a chegar à um compromisso. Sem exceções, sempre é a situação que acaba cedendo no final das contas - e como o GOP demonstra, se aprendeu há um bom tempo a aproveitar isso ao máximo, levando ao debate posições absurdas de maneira a levar a outra parte a concordar com o que é na verdade a sua posição original. O PT tentou evitar esse dilema por vias sujas - e fracassou, merecidamente. Mas agora segue atendendo as demandas da oposição, e nesse ballet há muito deixou de ser um partido de esquerda, para ser o moderador da direita. E isso é péssimo para todos, menos para as elites e os políticos corruptos que só tem a lucrar com a falsa governabilidade brasileira.




quarta-feira, 13 de março de 2013

O novo papa, o pastor racista e a direita conservadora

As coisas não vão bem no front dos direitos humanos... Enquanto no congresso temos que lidar com a escabrosa corrupção essencial da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, agora nas mãos do racista e homofóbico Marco Feliciano, sem qualquer sinal de que o dito-cujo vá renunciar do cargo apesar de todos os protestos, havia uma esperança de algum  pequeno avanço no debate teológico quanto aos direitos LGBT e da mulher com a estranha renuncia do Papa Bento XVII - não que fosse haver uma mudança real de posição, mas que o novo pontífice ao menos estivesse simbolicamente aberto a debater o tema. E ontem com o fim do conclave, essas esperanças parecem ter sido em vão com a eleição do 266º papa.

Então, temos agora um novo sumo pontífice da igreja católica, o papa Francisco, o argentino antes conhecido como Jorge Mario Bergoglio. Um conservador tão fervoroso quanto Joseph Ratzinger, agora papa emérito. O homem que definiu a adoção de crianças por casais do mesmo sexo como "discriminação contra crianças" e que acredita que a luta pelos direitos homossexuais foi engendrada pelo próprio "Pai das Mentiras". Não é uma situação que seja favorável ao progresso dos movimentos sociais - e aterradoramente, não é a pior situação possível nesse sentido: ao menos não foi escolhido o africano Peter Turkson, defensor da pena de morte para homossexuais. É claro, resta ainda a possibilidade de Dom Francisco mudar suas posições frente a realidade - ou de agravar seu conservadorismo.

Em ambos os casos, o que temos pode ser um sinal de que as coisas estão para piorar - ou podem ser os últimos espasmos de morte do conservadorismo. Como afirma Bertrand Russel em seu "Ideais Políticos", em todos os embates, o lado conservador ao fim das contas saiu perdendo - a questão real é se esse é o sinal do desespero frente a derrota iminente, ou a demonstração de poder do conservadorismo e a prova de que a luta ainda tem muito pela frente. E enquanto a nomeação do Papa Francisco é um sinal de que os conservadores continuam no controle do Vaticano, a situação na CDHM é parte de um projeto maior de poder da direita brasileira. E não se enganem : o conservadorismo aqui continua forte - vide o concurso público para policial que exigia "exame de virgindade".

Comecemos pelo problema local: a nomeação de Marco Feliciano (PSC), pastor de uma das múltiplas igrejas denominadas "Assembléia de Deus". O homem que nega ser racista ao mesmo tempo que defende que "africanos" seriam amaldiçoados, e que essa maldição de sangue seria a causa da trágica situação do continente africano - nada a ver com a maneira em que potencias imperialistas arrasaram a região: é sangue amaldiçoado. O homem que define os sentimentos homoafetivos como "podres" e causadores de "ódio, violência e crime", e chama a AIDS de "câncer gay" - mas que nega ser homofóbico. Que diz a cidadãos LGBT para "manterem suas imundices" fora das ruas. Esse é o homem que agora preside a comissão de Direitos Humanos e Minorias.

Entre seus apoiadores, o ex-torturador Jair Bolsonaro - que frente aos protestos contra Feliciano mandou manifestantes do movimento negro "voltarem ao zoológico". Além de cidadãos semi-anônimos que se negam homofóbicos, mas acham que "tem que bater nessas bichas", que gays deveriam ser presos, ou serem "curados" a força - mas eles juram, não são homofóbicos. Ao mesmo tempo sofre pesadas críticas de famosos como Wagner Moura e Xuxa Meneghel - que o pastor desistiu de processar por tê-lo chamado de "monstro".

Não que os problemas de Feliciano se resumam aos seus posicionamentos quanto a minorias: cinco de seus "assessores" recebem salário da Câmara de Deputados sem trabalhar na mesma. Os mesmos são pastores da congregação de Feliciano, que parece ter aproveitado o cargo para "dar uma boquinha" aos colegas. Em vídeo, o pastor-deputado foi gravado exigindo a senha do cartão de crédito de um fiel cadeirante. "Samuel de Souza doou o cartão, mas não doou a senha. Aí não vale. Depois vai pedir milagre para Deus, Deus não vai dar, e vai dizer que Deus é ruim”, afirma o religioso. Além disso, está respondendo no STF pelo crime de estelionato, por ter embolsado a soma de R$ 13.362,83, referente ao cachê de um evento ao qual não compareceu, alegando "motivos de força maior".

Por mais horrível que a presença de Feliciano na presidência da comissão seja por si só, o pastor-deputado parece ser só uma face de um projeto maior da direita Brasileira: no mesmo dia em que ocorria a primeira e fracassada votação para empossar o pastor, outro absurdo esperava. Blairo Maggi (PR), vencedor do "Motosserra de ouro" como o maior desmatador do país em 2004, assumia como presidente da comissão de meio ambiente do Senado. Em uma só tacada, estavam enfraquecidas as comissões de direitos humanos e de meio ambiente, abrindo espaço para uma possibilidade perigosa, mas almejada pela bancada ruralista: a revogação da PEC do trabalho escravo e a flexibilização do código florestal - ambas um dia desejadas pelo homem que definiu a preservação das florestas como "algo sem futuro". Hoje se diz um homem mudado e que sem preservação não teremos futuro - mas continua defendendo as causas ruralistas antes do ambiental.

Para não mencionar a questão apontada pelo ex-presidente da CDHM, Domingos Dutra (PT): muitas das coisas almejadas pela bancada ruralista, como a liberação de terras em reservas indígenas e em territórios quilombolas eram barradas pela comissão de direitos humanos. E enquanto a bancada evangélica consegue com a nova formação da comissão barrar os projetos de lei ligados aos interesses LGBT - mas é favorável a enormidades como projetos para punir uma suposta "heterofobia" ou para curar a homossexualidade - os ruralistas conseguem o apoio para atropelar aqueles que a comissão deveria defender. Tudo isso para garantir o máximo de lucro e de controle sobre a sexualidade alheia enquanto ainda podem.

E enquanto por aqui a direita ocupa comissões estratégicas para os planos das bancadas evangélica e ruralista, o que o vaticano tem a ver com isso? Quanto ao novo papa, serei breve: entre os católicos, o conservadorismo tem perdido força. Mais da metade dos católicos americanos é a favor da legalização do casamento civil de homossexuais. Mais de 68% deles são a favor do divórcio, e 40% são favoráveis a legalização do aborto. 89% aprovam o uso de métodos anticoncepcionais, e 58% consideram moralmente aceitável a pesquisa com células tronco embrionárias. (dados de pesquisa da Gallup). 

O resultado dessa mudança de posição dos fiéis - contrária a vários dogmas da igreja - é uma miríade de velhos cardeais assustados, entrando aqui a questão levantada por Russel em Ideais Políticos. A posição da "massa" está mudando, e em algum nível o Vaticano parece saber que está perdendo. E nisso reage com força - apontando um ultra conservador para tentar forçar o mundo a seu favor. Não é sem motivo a escolha de Bergoglio - suspeito de ter ajudado a ditadura militar argentina a silenciar opositores. A sua maneira, a ala conservadora do Vaticano está tentando defender sua posição frente a um mundo que não é mais o seu. Comparado a alguns dos outros "papáveis", Dom Francisco não é exatamente a escolha mais diplomática - um conservador fervoroso, mas não tão visceral quanto Marc Ouellet ou Peter Turkson, talvez não tenha a mesma disposição para o diálogo interreligioso como demonstrou o nigeriano Francis Arinze - velho demais para ser candidato a função. 

E enquanto o velho papa saiu em função da idade avançada, outro sinal possível do feedback conservador no vaticano é terem escolhido outro "veterano" para o cargo - ao invés de um cardeal mais "jovem" - até onde 60 anos é jovem - foi colocado o septuagenário Bergoglio. Resta ver se este não irá falecer em pouco tempo de pontificado ou se não irá também renunciar, em vista não só da saúde, mas da onda de críticas encaradas pelo Vaticano. Enquanto isso, embora tenha muita influência no terceiro mundo - e por isso defenda a ampliação da presença católica nos países em desenvolvimento - o novo pontífice deve ter pouca influência entre os fiéis europeus e americanos. Quanto aos brasileiros... é esperar para ver.